sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

BRASIL: OS RURALISTAS “AJUDAM A EQUILIBRAR A BALANÇA COMERCIAL”. SERÁ MESMO?


(A senadora e líder ruralista Katia Abreu ao receber o prêmio Motosserra de Ouro do Greenpeace)

Ainda intrigada com a enquete do blog (“Qual o papel social dos ruralistas?”; veja ao lado), pedi ao amigo economista José Carlos Peliano para tentar responder se é mito ou realidade essa história de que os ruralistas são “fundamentais” para equilibrar a balança comercial. E sabem o que descobri? Que ninguém se interessou em calcular se, tirando os subsídios governamentais que recebem, os números se manteriam os mesmos. Ou se este é um caminho equivocado que o Brasil tomou muito tempo atrás e continua assim, até por inércia do governo.

Um artigo publicado no Le Monde Diplomatique três anos atrás também questionou a “verdade absoluta” da importância do agronegócio. O professor Sergio Sauer, da UnB, critica os sucessivos alongamentos de prazo das dívidas dos ruralistas e ainda as renúncias fiscais e isenções de impostos que os beneficiam. “Dados da Receita Federal demonstram que a União deixou de recolher mais de R$ 37,8 bilhões desde 2003; a estimativa é de uma renúncia de R$ 8,85 bilhões só em 2010″, escreveu Sauer. “Outro aspecto que deve ser contabilizado como renúncia fiscal é a total ineficiência histórica na cobrança de tributos territoriais”. Isso para quem domina a maioria das terras no Brasil! Imaginem a moleza. “Diante desses números, a concordância com a ênfase na contribuição do agronegócio deve ser, no mínimo, relativizada”, adverte o professor. 

Para Peliano, o mais absurdo é estas contas nunca terem sido feitas de forma independente, ao contrário do que acontece com programas sociais como o Bolsa Família, sempre alvos do escrutínio midiático. Aceita-se que os ruralistas são necessários e pronto. Quem aponta este modelo como arcaico, da época dos coronéis, é que fica como “intolerante”. Em vez de se situar de forma veemente ao lado dos índios e dos sem-terra nessa briga, o PT cede no Congresso a essa gente que pouco ou nada faz de verdade pelo Brasil.

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Por José Carlos Peliano*

Aquele dito popular “quanto mais mexe, mais fede” cabe para responder à pergunta: “qual o papel dos ruralistas?”. Outro que fica bem é: “não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe”. (Os ruralistas em sua grande maioria são tanto os parlamentares que são empresários na área rural quanto os empresários que os elegem). Ditos que dizem pouco e que dizem muito sobre o que fazem os ruralistas para o país, afora elegerem representantes no Congresso Nacional em números expressivos, indicarem ministros para pastas estratégicas, especialmente agricultura, conseguirem isenções e estímulos fiscais e até perdão de dívidas com bancos e órgãos públicos.

Errado isto? Absolutamente, não fosse a dúvida imediata: quanto valem todo esse movimento e esforço político? Foi feito algum dia o simples exercício de calcular os custos totais que esses benefícios acarretam ao caixa público menos as receitas que as iniciativas apadrinhadas trazem para a sociedade brasileira? Se positivo ou negativo o resultado e o tamanho alcançado, é um trabalho considerável a ser empreendido diante das ramificações das iniciativas e atividades do grupo. Sem falar dos lançamentos imponderáveis patrocinados pelos auxiliares diretos e associados que perambulam pelas instituições públicas, bancárias e representativas em busca de apoio, garantia, sustentação e recursos.

O que vem sempre à tona, em geral pela grande imprensa, sobre o lado positivo, são as extensões das terras agrícolas cultivadas, os volumes das safras anuais –algumas ditas recordes–, o montante de recursos dispensados pelo governo para financiamento da produção, a abertura de novos mercados no exterior, e os tipos e totais de investimentos em mecanização moderna no campo. Do lado negativo, entre outros, as intempéries climáticas que prejudicam as plantações e as colheitas, as notificações das pragas esporádicas ou endêmicas, as quedas de preços das commodities no mercado internacional, os impactos inflacionários de insumos e juros.

Mas e a conta? Alguém já fez? Engraçado que há contas e cobranças feitas em relação aos programas populares tipo Bolsa Família, Prouni e Minha Casa Minha Vida, e de decisões públicas tipo a fixação do valor do salário mínimo, as cotas de negros nas universidades e a desapropriação de terras para reforma agrária. No caso do mundo dos ruralistas, não, a sociedade não sabe até hoje se o aparato público destinado a apoiá-lo juntamente com o movimento de recursos envolvido é satisfatório ou não, compensatório ou não, e em que termos e graus de magnitude.

Antes de continuar, um alerta: embora todos no mesmo barco, há ruralistas e ruralistas, grandes ou médios. Pequenos são contradições em termos: ou sonhadores ou oportunistas. Muitos dos médios não estão na cola dos parlamentares, trabalham sério e com dificuldades semelhantes aos sem amparo político. Mas podem acabar ficando se prometem apoio eleitoral.

Há, no entanto, mais coisas engraçadas. Uma delas: do lado da agricultura familiar, há contas feitas com resultados não só positivos mas também estratégicos e duradouros. Os ruralistas estão mais preocupados com as plantações decommodities, os familiares com a produção de verduras, legumes, tubérculos e grãos caseiros. O que isso tem a ver? Tem a ver que se não houver também apoio do governo para os familiares em moldes “parecidos” com os ruralistas corre o risco de a sociedade brasileira não ter à mesa, entre outros, saladas, inhoques, purês, angu, feijão, tutu, inhame, goiaba, banana, jabuticaba, arroz e arroz doce.

Outra graça: existe uma briga intestina entre os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário por conta da política agrícola. O primeiro considera esforço desnecessário do governo o apoio aos familiares, enquanto o segundo luta para conseguir espaço e garantir produção doméstica, orgânica, sem defensivos e transgênicos, os quais são a marca registrada do agronegócio em mãos dos ruralistas. Estes querem garantir mais e mais produtividade, aqueles mais e mais qualidade da produção; um se volta mais para a exportação, o outro para a alimentação, abastecimento e saúde populares.

A pecuária, como a Justiça, tarda mas não falha. Ficou por último no rol do grupo ruralista. Anda ainda às turras com as pressões localizadas por reforma agrária, sempre de encontro aos sem-terras. Quanto mais extensões de terra houver, mais gado será distribuído para corte. Quanto mais apoio orientado tiver, os familiares terão gado de leite para a produção caseira de queijos e demais derivados caseiros. Parecem Golias contra Davi –seria cômico se não fosse sério.

E a conta? A conta terá de ser feita. Pelo menos estimada, aproximada, para se saber a importância, a oportunidade e a continuidade, e em que moldes, do papel dos ruralistas na produção agrícola do país. O resto é discurso, nos palanques ou fora deles.

*José Carlos Peliano é doutor em Economia pela Unicamp

Fonte: Solicalista Morena  - Carta Capital

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