terça-feira, 25 de novembro de 2014

BRASIL: EM VOLTA REDONDA, AINDA SE COMBATE A DITADURA


Os habitantes do município fluminense têm a chance de homenagear um herói e retirar nome de ditador de obra pública

Se depender do Ministério Público Federal (MPF) de Volta Redonda, cidade no interior fluminense que sedia a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), mais um espaço público, dos milhares espalhados pelo Brasil, deixará de carregar o nome de um ditador. O MPF encaminhou em outubro à prefeitura e à Câmara de Vereadores o pedido de mudança na denominação de uma das principais pontes do município, batizada em 1973 de Emílio Garrastazu Médici, identificado até a medula com as torturas e a repressão política dos anos de chumbo. O procurador Júlio José Araújo Jr. sugere que um novo nome seja dado em 90 dias, por meio de discussão pública, com ampla participação da sociedade civil e baseada em normas constitucionais e legais.

Ainda em novembro, uma audiência pública será convocada para ouvir os moradores, afirma o presidente da Câmara de Vereadores, Washington Tadeu Granato Costa, do PTB. “Na audiência pública o tema vai ser debatido com integrantes da Comissão da Verdade e a população. Será feito um projeto de lei que, após ser votado em dois turnos, decidirá ou não pela troca.” Costa não disse se concorda com a alteração do nome da ponte. “Preciso ser imparcial.”

Se a população aprovar, sai Médici e entra dom Waldyr Calheiros de Novaes, bispo emérito da Diocese de Volta Redonda e Barra do Piraí morto em 2013. Novaes protegeu perseguidos pelo regime, segundo as informações prestadas por 103 testemunhas à Comissão da Verdade montada no município. Para o historiador Edgar Bedê, a mudança do nome da ponte seria um reconhecimento à luta do religioso e sua benevolência e coragem na proteção aos injustiçados e perseguidos. “Ao mesmo tempo, a homenagem desqualificaria a reverência a um governo marcadamente responsável por milhares de prisões, torturas, assassinatos e desaparecimentos”, completa Bedê.

Professor aposentado, doutor em Educação pela Universidade Federal Fluminense, Bedê relembra dois episódios marcantes do conflito em Volta Redonda entre a Igreja e a ditadura durante o governo Médici. O primeiro foi no fim de 1970. “Na impossibilidade de prender o bispo, para não confrontar o Vaticano e criar uma crise com a Igreja Católica, os militares atacaram aqueles que o apoiavam. Prenderam 30 militantes da Juventude Operária Católica. Houve muitas torturas de prisioneiros, inclusive do padre Natanael Campos de Morais. Os militares do 1º Batalhão de Infantaria Blindada fizeram com o padre tudo aquilo que queriam fazer com dom Waldyr, e não podiam.”


A ponte que pode trocar homenageado

O segundo episódio, prossegue o historiador, ocorreria dois anos depois, em 1972, quando os familiares de soldados mortos e desaparecidos procuraram o bispo em busca de auxílio. “Após uma ação solidária e determinada pela busca da verdade, inclusive com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, instalou-se um Inquérito Policial Militar do Alto Comando do Exército para apurar os fatos. Em meados de dezembro de 1971, no batalhão sediado em Barra Mansa, sob a justificativa de apurar o consumo e o tráfico de maconha no quartel, 15 soldados foram presos e torturados no pavilhão denominado ‘arquivo’. Quatro soldados morreram nas sessões de tortura. E ocorreu um fato inédito. Pela primeira vez a ditadura reconheceu a prática de tortura em um quartel do Exército. E condenou os torturadores. Dom Waldyr teve papel decisivo para o processo chegar ao fim e punir os responsáveis. Foi uma grande vitória contra a repressão. Tudo isso no auge da tirania do governo Médici.”

Após o fim da ditadura, o bispo manteve a sua atuação política, sempre em defesa dos perseguidos e necessitados. Entre outras, apoiou a greve dos ferroviários da CSN, em 1988, quando três trabalhadores foram mortos pelo Exército.

Se não conseguirem identificar torturadores, muito menos levá-los aos tribunais, comissões da verdade municipais como essa de Volta Redonda podem ao menos homenagear os verdadeiros heróis do País. Trocar o nome da ponte seria um sinal a favor da paz, contra a violência e a covardia. A escolha está nas mãos dos moradores da cidade.

*Reportagem publicada originalmente na edição 826 de CartaCapital, com o título "O ditador e o bispo"

Fonte: Carta Capital

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