segunda-feira, 18 de maio de 2015

BRASIL: KODAKS UM MOSAICO ILUSTRADO DA HISTÓRIA COMERCIAL DA FOTOGRAFIA


Exposição em São Paulo e livro 'Papeis Efêmeros da Fotografia' apresentam imagens que cercam os antigos processos de revelação analógicos

O pesquisador, crítico e professor Rubens Fernandes Junior coleciona os indícios da fotografia à moda de um reflexivo detetive. Sua enorme capacidade em visualizar a trajetória fotográfica brasileira rendeu muitos livros essenciais, por ele organizados, em torno dos principais artífices dessa expressão no Brasil, como foi o caso de Benedito Junqueira Duarte, exposto no volume de 2007 B. J. Duarte - Caçador de Imagens (Cosacnaify).

Agora, por meio da Funarte, sai o livro Papeis Efêmeros da Fotografia (distribuição gratuita), em que Fernandes Junior recolhe as imagens a cercar os antigos processos de revelação analógicos. Exposição homônima tem abertura sábado 16 na Casa da Imagem (rua Roberto Simonsen, 136 B, Sé, São Paulo) e permanece até o dia 12 julho, com visitação de terça-feira a domingo, das 9 às 17 horas.

O livro, lançado na abertura da exposição, faz surgir um impressionante mosaico ilustrado da história comercial da fotografia no Brasil. Os maravilhosos envelopes em que as marcas das casas fotográficas do antigo centro paulistano eram impressas, os muitos pôsteres ilustrados em que eram incentivadas e, principalmente, os hábitos de fotografar, que a partir da primeira metade do século XX se tornaram a cada dia familiares, mostram um País empenhado em abraçar o movimento e a luz, como explica o pesquisador na entrevista abaixo. 

CartaCapital: Muito se sabe sobre seu trabalho como crítico, professor e historiador, mas pouco sobre sua atividade como colecionador de dispersos e fotografias anônimas. O sr. sempre se considerou um colecionador da fotografia ou essa ideia, de início, foi estranha e/ou indesejável? Por que colecionar? 

Rubens Fernandes Junior: Sempre procurei reunir “tudo aquilo que cerca” o fazer fotográfico. Formei um vasto arquivo mais para suprir uma deficiência de nossas bibliotecas do que qualquer outra coisa. A intenção inicial não era fazer uma coleção, mas coletar “coisas” que me dessem pistas sobre a questão da fotografia. Em qualquer tempo.

Com isso, mais de 30 anos depois, deparo com um grande arquivo físico com milhares de documentos que “falam” muito da fotografia brasileira em particular. Papeis, convites, pôsteres, embalagens, retratos, algumas fotografias trocadas por trabalho, cartões postais, fotografias (em positivo e negativo) desconhecidas ou anônimas, bilhetes, milhares de livros e catálogos, enfim, uma grande quantidade de papeis que circunscrevem meu percurso nesse maravilhoso mundo da imagem.

Claro que hoje tenho consciência da importância desse material que reuni – comprando, trocando, ganhando. Desde criança gostei de juntar coisas, em particular papeis, de que gostava – seja pela cor, pela história, pelo desenho. Muita coisa me tocava. No caso das embalagens da fotografia, tinha quase certeza de que poucos guardariam esse material e que no futuro (parece que ele chegou) poderia reunir parte deles e contar alguma história. Claro que sempre vi essa produção com perspectiva histórica e idealizei produtos a partir desse material.

CC: Esses papeis colecionados em torno da antiga fotografia têm uma relação com sua própria história? O sr. ambicionava à atividade, no início, como autor, daí ter recolhido papeis de revelação? Ou havia um empreendimento familiar em torno da atividade fotográfica que lhe despertava para a necessidade de recolher tais imagens?

RFJ: Minha relação com a imagem aconteceu desde sempre. Colecionava as revistas do Fantasma e do Tarzan, entre outros quadrinhos que fizeram parte de minha infância. Na adolescência, reuni todos os números da revista Realidade e algumas outras. Tenho parte disso até hoje porque gosto muito da materialidade do papel e seus diferentes usos.

A fotografia entrou em minha vida a partir do meu colégio (Koelle, de Rio Claro), quando fomos estimulados nos anos 1960 a frequentar o laboratório de fotografia da escola. Meu tio Henrique Verona Cristófani fazia fotografia e filmes aqui em São Paulo e quando eu tinha acesso a esse trabalho ficava fascinado. Mais tarde descobri que ele frequentava o Foto Cine Clube Bandeirante.

A fotografia entrou definitivamente em minha vida no início dos anos 1970, na universidade, quando adquiri uma Pentax e aprofundei meus estudos na área. Mensalmente a revista suíça Camera turbinava minha imaginação. Por outro lado, desde sempre gostei mais de ler, pesquisar e escrever do que fotografar propriamente. Recolher esse material era, mesmo que intuitivamente, guardá-lo para futura análise e questionamentos.

CC: Como era a fotografia no início para o sr. e como ela se referencia a seu mundo agora? Terá havido antes e haverá agora uma porção sua como fotógrafo calada pela de historiador?


RFJ: Sempre fotografei com o intuito de recolher dados. Hoje em dia, com as facilidades tecnológicas, continuo fotografando textos, anúncios e amigos fotógrafos com o intuito de registro e documentação. Desde os anos 1980, quando os festivais de fotografia tornaram-se mais presentes no Brasil, registrei em imagens e áudios coisas que me agradavam e que, sabia, teriam alguma importância para meu trabalho de pesquisador. Minha ambição nunca foi ser um fotógrafo, mas sim orbitar em torno da fotografia. Tenho registros importantes que fiz sem grandes compromissos, mas que hoje já posso considerá-los vitais para compreender a cronologia da fotografia brasileira.

CC: Que imagem, em seu livro, marca o início de sua coleção desses papeis? Que imagem ou coleção de imagens foi a mais difícil de obter?

RFJ: Minha rotina é quase sempre a mesma nas últimas décadas (observe, já falo em décadas...). Sempre frequentei sebos e feirinhas em busca de assuntos fotográficos. Abria livros aleatoriamente em sebos em busca de alguma raridade. Sábado e domingos antes das oito da manhã já estou circulando pelas feirinhas paulistanas (Benedito Calixto e Bixiga) em busca de novidades – livros, fotografias, calendários, revistas, anúncios, caixinhas de fósforos, etc.

Você não imagina a quantidade de material que reuni ao longo de mais de 30 anos. Adoraria ter um período sabático para devolver em forma de livro, exposição e reflexão, o material que consegui reunir. Coisas muito interessantes e outras totalmente descartáveis. Faz parte da rotina adquirir peças para manter a relação com meus fornecedores, hoje grandes amigos que sabem e aprenderam comigo muita coisa sobre fotografia.


Em meu blog Icônica, que mantenho com amigos, professores e pesquisadores, torno públicas coisas a meu ver de interesse mais amplo. Não sou historiador. Sou pesquisador. Gosto muito do K da Kodak e suas cores e de como o ilustrador, ou designer, resolveu a questão dos filmes que tinha de propagar. Criou lindas vinhetas que desenham a letra K e as colocou na caixa do filme.

Gosto também dos “homenzinhos e das menininhas” que destaquei no capítulo Homem e Máquina. São soluções simples e eficientes de comunicação. Gosto de pensar os efêmeros – ilustradores, tipos gráficos, tipos de impressão, entre outras – como um relevante produto de informação.

CC: Como se deu o processo de higienização das imagens a que o sr. se refere no livro? Foi preciso ressaltar cores e contornos desaparecidos pela ação do tempo? Reconstituir papeis que se desmanchavam?

RFJ: Ao chegar em casa, normalmente limpo e higienizo segundo algumas regras simples e museológicas, a fim de arquivar e registrar em meus cadernos. Desde 2005 mantenho um relato semanal sobre minhas andanças no Brasil e exterior, relacionado e descrevendo minhas aquisições. Registro também seu grau de importância, para que possam entender meu processo de coleta e atribuição de valor do material coletado. Não há restauro, muito menos intervenções.

Como você pode ver no livro, fotografei os efêmeros. Não quis escanear e tratar as imagens. Quis ressaltar que aqueles papeis à beira do desaparecimento conservam as marcas do tempo, suas camadas de informação e história. Jamais “embelezaria” um papel que foi tão violentado e maltratado ao longo do tempo, justamente pela sua banalidade – ser papel – e pela sua descartabilidade. Ao valorizar o efêmero como ele se apresenta, busco compartilhar as mesmas emoções que tive ao encontrá-lo.

CC: O sr. se interessa em escrever a história aprofundada das grandes casas fotográficas, descrita de forma mais genérica na segunda metade do livro? Que dificuldades principais estariam envolvidas em um empreendimento como este?


RFJ: O principal objetivo desse trabalho é fazer emergir um tipo de informação pouco valorizado pela história oficial. Meu trabalho foi chamar a atenção, dar visibilidade. Precisamos com urgência encontrar algumas pontas dos fios que tecem essa história. Claro que eu sonho em poder aprofundar, mas torço para que o meu trabalho desperte nos jovens pesquisadores a necessidade de aprofundar algumas das questões que lustrei e tornei visíveis.

CC: O material recolhido no livro é exposto na Casa da Imagem, no centro histórico de São Paulo, nas proximidades de algumas casas fotográficas citadas no livro. O sr. tem planos de criar um museu desses efêmeros?

RFJ: A exposição no centro histórico busca relacionar os papeis e a fotografia com as ruas do velho triângulo. As ruas S. Bento, Direita e XV de Novembro foram as primeiras a receber as casas fotográficas. Depois atravessaram o Viaduto do Chá e se instalaram na rua Conselheiro Crispiniano. Há um percurso nos endereços dessas lojas sintonizado com a evolução urbana.

Além disso, um grupo educativo da mostra discutirá alguns temas com as crianças e os jovens das escolas paulistanas. Temas como economia, crescimento da tecnologia fotográfica e evolução urbana serão trazidos para esclarecimentos com os estudantes. Não temos a pretensão de que isso seja "sacralizado" (em um museu), mas buscamos o entendimento dessa embalagem tão desprestigiada pelos consumidores.

CC: O sr. se viu de algum modo influenciado pelas correntes de microhistória ao fazer esse ordenamento das imagens? Seu trabalho nos dá a impressão de que, a partir desses indícios recolhidos da fotografia, sua ambição teria sido mesmo a de reconstituir a história de um período.

RFJ: Busquei, a partir de algumas ideias de Walter Benjamin, particularmente "sobre história" e "colecionadores", estabelecer que a história também se faz a partir de um olhar mais enfático sobre as minorias - no caso, os balconistas, os ilustradores, os impressores, os laboratoristas, os retocadores, entre outros. Eles também participaram da construção da história da fotografia, mas, por algum motivo, não foram contemplados. Então, busco criar uma nova camada para a história da fotografia - esse imenso iceberg do qual conhecemos apenas uma pontinha. Muitas outras camadas deverão ainda ser trazidas à superfície.

CC: Por que a figura feminina foi utilizada naquele início para fixar o hábito da fotografia?


RFJ: A figura feminina representa um momento de liberdade e expansão, mas também contempla a atividade fotográfica, que passaria a ser praticada pela mulher em suas horas vagas, em lazer com seus filhos, com câmeras mais leves e práticas e outras facilidades trazidas pelo avanço tecnológico. Nesse momento, a mulher começa assumir a direção do automóvel, o voto, entre outras conquistas no embrionário mundo globalizado. A Kodak Girl ditava moda e era esperada pelas consumidoras - seu chapéu, seu modelo de roupa, seu estilo, seus movimentos.

CC: Que dificuldade técnica havia, no início, para que a própria imagem fotográfica ilustrasse os pôsteres e os papeis contendo cópias e negativos? Ou o desenho era usado (e continuou a ser adotado) para dar à fotografia um status de respeitabilidade que ela ainda perseguia?

RFJ: Os grafismos elaboradíssimos estavam em sintonia com as tendências - art decô, art nouveaux, Bauhaus, etc. Ao mesmo tempo elaboravam-se os logotipos, construíam-se as marcas que deveriam se consolidar gráfica e imageticamente. O uso eventual da fotografia poderia não concretizar o projeto de universalizar a marca. Os tipos gráficos eram mais adequados para consolidar as marcas.

CC: Vilém Flusser é citado no seu livro ao dizer que o “design significa aproximadamente aquele lugar em que arte e técnica (e, consequentemente, pensamentos, valorativo e científico) caminham juntos, com pesos equivalentes, tornando possível uma nova forma de cultura”. Que nova forma de cultura a fotografia e seus papeis efêmeros tornaram possível em relação ao passado?

RFJ: Flusser acerta no alvo com suas ideias sobre comunicação e design. E essa harmonia está presente desde as primeiras iniciativas "vencedoras", como as da Kodak e da Agfa, por exemplo.

CC: A expressão “papeis efêmeros da fotografia” parece conter um grande componente de ironia. Os papeis de todos os tempos, agora sabemos, serão sempre passíveis de recolhimento, enquanto o armazenamento virtual, tão próximo da destruição certa, encena um enigma para quem fotografa em nossos dias. O risco é que ele próprio, fotógrafo, desapareça da história... Do mesmo modo que coleciona o passado, o sr. se inquieta em encontrar um modo de arquivar a história fotográfica virtual presente? Senão sua, esta seria uma inquietação entre pesquisadores atuais?

RFJ: O receio ou a possibilidade de não termos materialidade alguma para pesquisar no futuro pode fazer com que os mais jovens busquem alternativas à guarda e à conservação da produção contemporânea. O futuro, como sempre, é um enigma. Laszlo Moholy-Nagy, fotógrafo e designer de origem húngara, escreveu em seu clássico Pintura, Fotografia e Cinema que "os analfabetos do futuro serão aqueles que não souberem fotografar". Pois bem, chegamos "ao futuro" e vemos todos fotografarem loucamente e sem sentido. Eu costumo atualizar essa ideia e afirmar a partir dos dispositivos contemporâneos que “os analfabetos do futuro serão aqueles que não souberem programar". Por isso mesmo acredito que os jovens, ao serem alfabetizados na programação, serão capazes de recuperar o passado perdido em máquinas esquecidas e abandonadas ao longo do tempo.


CC: Seu livro lida com a percepção social da fotografia, com seu enorme poder, que cresce à medida que o usuário (um fotógrafo no anonimato da história) desperta para a possibilidade de congelar o movimento dos personagens, no final do século XIX e início do XX. O sr. diria que hoje existe um fenômeno semelhante no que se refere à fotografia? Ela tem ajudado o homem a revelar-se em seu movimento, uma vez que é infinita a exposição dos corpos em smartphones e redes virtuais?

RFJ: No passado, o fotógrafo amador produzia seu material e encaminhava às casas fotográficas, que mantinham a privacidade do cliente e garantiam sua fidelidade. Essa intimidade era vista por poucos em álbuns familiares. Hoje, ao contrário, me parece que as pessoas fotografam para expor suas intimidades.

Fonte: Carta Capital

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