segunda-feira, 19 de outubro de 2015

BRASIL: A INCONSTITUCIONALIDADE DO PROJETO SERRA NA CONTRAMÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL


A Emenda de Serra é inconstitucional. Qualquer projeto de imposição de limites ao endividamento da União deve partir de proposta da própria União.

O Senado deverá apreciar nos próximos dias emenda do Senador José Serra ao projeto de regulamentação da cláusula da LRF/ Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 30) que determina a fixação de limites para a dívida pública da União. O projeto é de 2007, sendo relator o Senador Romero Jucá. Ali ficou estabelecido que o limite da Dívida Consolidada Liquida (DCL) seria de 3,5 vezes a Receita Corrente Líquida (RCL). 

Desde então este teto vem sendo respeitado pelo Governo. Tem sido igualmente acatado nas normas que orientam os orçamentos governamentais, como a LDO-Lei de Diretrizes Orçamentárias, e nos relatórios apresentados aos órgãos de auditoria externa e interna, caso do Relatório de Gestão Fiscal, que é encaminhado regularmente ao Congresso Nacional e ao Tribunal de Contas da União. 

No último Relatório encaminhado, relativo ao período janeiro/ agosto de 2015, a relação DCL/RCL foi de 2,2, bastante inferior ao teto acordado com o Senado Federal, de 3,5. Tais resultados são uma demonstração inequívoca do zelo governamental no sentido de limitar a expansão do endividamento público e de respeito às cláusulas da Lei de Responsabilidade Fiscal.

A própria Comissão Parlamentar de Inquérito, de 2010-2011, reconheceu que as auditorias realizadas regularmente pelos órgãos de controle interno e externo das Contas da União eram satisfatórias e recomendou a aprovação, pelo Senado Federal, do projeto de Resolução 84/2007, que havia fixado como limite para a Divida Consolidada Líquida o teto de 3,5 vezes a Receita Corrente Líquida. Mas, sabe-se lá por quais razões, o projeto não saiu das gavetas da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e não foi aprovado até hoje. Mas é a regra que vem sendo observada há mais de sete anos.

O sucesso dos governos do PT na gestão da dívida pública fica evidenciado quando se faz a comparação com o período anterior, governo FHC do qual o Senador Serra foi ministro. No período 1995 a 2002, o superávit primário total realizado foi de 16% do Produto Interno Bruto-PIB, mas a dívida líquida foi duplicada passando de 29,5% a 60,4% do PIB. Nos doze anos de governo PT, 2003/2014, o superávit total realizado ficou em torno de 36% do PIB, com média anual de 3% ao ano, superior à média dos governos tucanos (2% ao ano), enquanto a dívida líquida foi consideravelmente reduzida, de 59,9% para 36,7%. (cf. Vinte Anos de Economia Brasileira. Centro de Altos Estudos século XXI: Brasilia, 2015)

Nunca é demais relembrar que o superendividamento público, de certa forma irresponsável, do período 1995/2002, foi contraído em paralelo, ao mesmo tempo em que se processou, de forma também pouco responsável, a liquidação do patrimônio nacional representado pelos ativos materiais e intangíveis das empresas estatais. Estas empresas configuravam os setores estratégicos da economia nacional, pilares do desenvolvimento durante o meio século em que o Brasil transitou da situação de “grande fazenda” para o de nação industrial, sob o governo trabalhista de Getúlio Vargas e a orientação nacionalista do governo Geisel. 

O mais provável, como motivação para a emenda apresentada pelo Senador Serra[1], é a hipótese que o sucesso de Lula e Dilma na contenção do endividamento público tenha incomodado o ninho tucano. Afinal de contas, dívidas são o instrumento preferido de dominação por parte das finanças internacionais, são elas que viabilizam rendas permanentes, a vida ociosa dos bilionários, e os juros extorsivos da agiotagem engravatada. Assim tem sido por séculos, assim foi nas décadas de 1980 e 1990 e, para que a dominação se perpetue sobre o Brasil e os brasileiros, assim deverá ser por muitas décadas ! 

Serra propõe, na sua emenda ao projeto de Resolução 84/2007, do Senado Federal, que se troque o indicador utilizado para limite superior do endividamento público. Em lugar da relação Dívida Consolidada Líquida/Receita Corrente Líquida, o Senador propõe que no numerador conste Dívida Consolidada, em lugar de DCL. Como se houvesse equivalência entre as duas ! Impossível aceitar. Nas melhores escolas do país, qualquer aluno de 4º ou 5º ano sabe que mudanças no numerador, permanecendo fixo o denominador, geram uma fração qualitativamente distinta da anterior. 

No Brasil, esta modificação seria equivalente a nocautear o Estado, amarrá-lo da cabeça aos pés, à espera da execução final, que pode ser a troca da moeda nacional, o Real, pelo dólar norte-americano.[2]

Além de seus efeitos deletérios, sobre as possibilidades de utilização do crédito nacional por entidades públicas e pelo próprio Governo, a emenda Serra poderia impor a necessidade, inadiável, de restringir a livre circulação de capitais estrangeiros no espaço econômico nacional e, provavelmente, o retorno imediato da lei de limitação da remessa de lucros. Afinal de contas, as operações compromissadas do Banco Central, um elemento da dívida pública que o Senador gostaria de limitar, entre outros, são o reverso, a outra face, da brutal invasão do Brasil por capitais estrangeiros em vôo livre à procura de campos onde se possam multiplicar prazeirosamente.

Esta Emenda não passará. Estamos confiantes que o Senado da República não permitirá mais este atentado ao desenvolvimento e à própria soberania nacional, por parte de representantes dos derrotados nas urnas em outubro de 2014. 

Além de tudo, a Emenda de Serra é inconstitucional. Qualquer projeto de imposição de limites ao endividamento da União deverá partir de proposta da própria União, assim o determina a Constituição da República. Ao mudar o indicador, o Senador alterou radicalmente a proposta encaminhada pela União. 

Não se pode supor que o Senador queira enganar a opinião pública e seus pares. Supomos, ao contrário, que se tratou de um equívoco, de um ato impensado ou, talvez, de uma tentativa de adequar os instrumentos de gestão e de controle vigentes no Brasil a padrões internacionais. Mas por caminhos errados, é o ponto-de-vista aqui exposto e defendido. 

________ Economista, doutora em políticas públicas, membro do Conselho Consultivo da CNTU e da diretoria do IBEP. 


[1] Ceci JURUA. A Dívida Pública na linha de tiro. Artigo publicado em CARTA MAIOR. 
[2] Gustavo FRANCO. Entrevista Uma breve história do Plano Real, aos seus 18 anos. Por Leandro Roque, 30 de junho de 2012. Instituto Ludwig Von Mises. 


Segue o link do Canal no YouTube e o Blog
Gostaria de adicionar uma sugestão, colabore com o NÃO QUESTIONE

Este Blog tem finalidade informativa. Sendo assim, em plena vigência do Estado Democrático de Direito, exercita-se das prerrogativas constantes dos incisos IV e IX, do artigo 5º, da Constituição Federal. Relembrando os referidos textos constitucionais, verifica-se: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato" (inciso IV) e "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença" (inciso IX). As imagens contidas nesse blog foram retiradas da Internet. Caso os autores ou detentores dos direitos das mesmas se sintam lesados, favor entrar em contato.

Nenhum comentário:

Postar um comentário